Tudo de Bom
Sem pudores o assumo: não me parece adequado desejar tudo de bom a alguém. "Tudo", parecendo que não, ainda é bastante e não estou certo de que alguém mereça tanto. Por outro lado, se alguém tiver tudo de bom, não sobra nada para os restantes. Não devemos contribuir para uma sociedade que faz da cartelização do "tudo de bom" o seu mote, gerando mais um monopólio. Muitos me dirão que desejam "tudo de bom" a várias pessoas e que, assim sendo, não estão a contribuir para o capitalismo selvagem das boas graças, mas a verdade é que isso constitui a prática do rodízio do "tudo de bom", o que não me parece adequado tendo em conta o precedente de incoerência que levanta: como é que se pode dividir "tudo" sem que deixe de ser "tudo" e passe apenas a ser parte? Já para não falar que, como bem sabemos, as pessoas quanto mais têm mais querem ter e nunca aceitariam tomar a parte pelo todo. A solução para este imbróglio, dirão alguns, poderia passar por desejar "um bocadinho de tudo de bom" às pessoas. Pode parecer um pouco estranho, mas é uma questão de prática. No fim de uma qualquer reunião com outro indivíduo, soltar o desejo de "um bocadinho de tudo de bom para ti". É mais comedido e garantimos que assim sobra um pouco para os outros. O problema, no entanto, é que o que é bom para uns é mau para outros e o bem de uns é o mal de outros. Como é que garantimos que ao desejar um bocadinho de tudo de bom a um sujeito não estamos a condenar um outro a quem outrora também fizemos essa cortesia a um bocadinho de algo mau? Para resolver esta trapalhada talvez seja importante criar uma entidade reguladora que distribua de forma equilibrada os bocadinhos do tudo (que já sabemos que é apenas parte) de bom, de modo a não ferir terceiros. Esta organização seria também ela responsável por proibir o desejo do "bocadinho de tudo de bom para ti e para os teus" naquelas situações em que não se conhece "os dele". Faz sentido desejar algo a pessoas cuja existência desconhecemos? Podem argumentar que é apenas uma cortesia com o receptor da mensagem, mas e se o próprio receptor não partilhar desse mesmo desejo? Não estamos a incorrer em infracção ao anular o "bocadinho de tudo de bom" dele com o "bocadinho de tudo de bom" dos outros?
Assim sendo, e mantendo-me fiel aos meus princípios, despeço-me de si, caro leitor, cordialmente, mas não lhe desejando nada de particularmente bom. Espero que compreenda.