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605 Forte

O meu Mundo frase a frase. Ironia e sarcasmo usados sem aviso prévio.

Permitam-me Discordar

por F., em 04.12.17

Nunca serei um entusiasta da comida vegan, apesar de não ter nada contra. Aquilo que me incomoda, seja em que assunto for, é a imposição de ideais. Há uma certa cultura vegan que nos vocifera colericamente que todos temos de ser vegans, dando a entender que aquilo que comemos pode definir a natureza humana, ao invés daquilo que nós somos. Esta proposta (um eufemismo é como o preto: fica bem com tudo) vegan fica logo bem patente com os pratos vegan que mais não são do que reproduções da comida tradicional de onde retiram a chicha e colocam o vocábulo "vegan" no fim do nome do prato. Coisas como: cozido à portuguesa vegan, francesinhas vegan ou queijo da serra vegan (suponho que, neste último, a palavra vegan não esteja a qualificar os hábitos alimentares da serra).

 

O meu problema com este tipo de pratos é que são uma declaração de guerra à cozinha tradicional e, decorrentemente, a quem a aprecia. A proposta (já estamos perante um caso de sobredosagem eufímistica?) não deixa margem para dúvidas: só há espaço para uma das cozinhas. Aquilo que eles nos estão a dizer é que conseguem os mesmos sabores, o que automaticamente eliminaria a necessidade de existir cozinha que recorresse à exploração animal. A questão do sabor é, aliás, um dos pontos mais incongruentes desta cultura vegan: por um lado, condenam todos aqueles que colocam o seu paladar como prioridade em relação à questão da exploração animal; por outro lado, sentem necessidade de referir o quão saborosa é a cozinha vegan. Na minha óptica, a cozinha vegan deveria afirmar-se a ela própria sem comparações ou tentativas de limitar a mesa das outras pessoas. Não há mal nenhum em criar uma cozinha vegan para todos: vegans e não vegans. Tal como os pratos vegetarianos da cozinha indiana, nepalesa ou tailandesa. Eu, amante de carne confesso, não tenho qualquer problema em deslocar-me a um restaurante indiano e comer pratos vegetarianos. Da mesma forma que, não sendo vegan, como uma salada sem qualquer problema. No entanto, recuso-me a comer um prato vegan que me promete ser um cozido à portuguesa quando, no fim de contas, não o é.

 

Por fim, e se não fosse pedir muito, gostava de que também riscassem do argumentário uma pretensa perversidade que um não vegan não tem. Um dia, numa conversa com um vegan cheio de fibra, fui acusado de comer cadáveres e de haver um certo sadismo em mim sempre que me desloco ao talho. "Há tanto sadismo em mim quando me desloco ao talho como haverá em ti sempre que te deslocas a um jardim", respondi-lhe eu na esperança de que a conversa ficasse por ali.

 

Será sempre esta a minha (única) luta: não me tentem impor as vossas ideias por mais bem intencionadas que possam ser. Permitam-me discordar.