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605 Forte

O meu Mundo frase a frase. Ironia e sarcasmo usados sem aviso prévio.

Pedimos Desculpa pelo Incómodo Causado

por F., em 04.04.22

Amiúde vemos os comediantes a mostrar algum cansaço com a questão dos limites do humor. Hoje, mais do que nunca, eu penso que é uma discussão que importa ter.

 

Definir um limite ao humor é algo extremamente subjetivo. Há quem defenda que a linha é traçada não devendo o humorista personalizar a piada num determinado indivíduo (o que significaria, por exemplo, que não se poderia fazer humor político). Outros definem alguns temas a evitar, como a religião ou o futebol, sob pena de poder ser ofensivo para determinadas pessoas. Possivelmente, uma piada sexual ou humor com recorrência ao vernáculo poderá ser ofensivo em determinados meios. Há ainda quem diga que o humor nunca deve visar as vítimas, algo de que eu discordo uma vez que é um ponto de vista que parte do princípio que todo o humor tem uma intenção vexatória. Se o humor fosse uma ferramenta de punição, os tribunais seriam presididos por comediantes ao invés de juízes. A razão pela qual algumas pessoas pensam que o humor não deve visar vítimas prende-se com o facto de ser fácil colocarmo-nos no papel de vítima em sofrimento. Porém, somos incapazes de nos colocar nos sapatos de um vilão como se este fosse ausente de sentimentos e vulnerabilidades. Não é a proteção da vítima que está em causa. É a proteção de nós próprios. 

 

A sociedade de hoje em dia vive obcecada em etiquetar todo o tipo de comportamentos. Tornámo-nos incapazes de viver com a subjectividade. Não estaremos certamente a viver o pior período da História da Humanidade e, por mais paradoxal que possa parecer, nunca fomos tão deprimidos. Precisamos de ajuda. Na minha óptica, a questão deve ser recentrada: numa sociedade, livre em vez de discutirmos aquilo que pode ou não ser dito, deve discutir-se como devemos lidar com o desconforto e a frustração. É fundamental reaprendermos a interagir com o Mundo ao invés de esperar que o Mundo exista à nossa medida. Perante tal subjectividade, devemos aprender a conviver com o desconforto, saber que existe e procurar aquilo de que gostamos. Temo que os limites do humor sejam como o Monstro de Loch Ness: podemos passar a vida à procura, mas nunca os vamos encontrar.

Esta é uma questão que está intimamente ligada à nossa liberdade e não é exclusiva do humor. São cada vez mais as notícias a que vamos tendo acesso de livros proibidos ou artistas cancelados por dizerem coisas que nos são desconfortáveis. A reflexão que temos de fazer é a de se aceitamos a liberdade com as suas imperfeições e transtornos ou se preferimos um modelo mais confortável que limite o outro abdicando do "eu". 

 

A agressão na cerimónia dos Óscares foi apenas mais um exemplo desse caminho que aos poucos vai sendo percorrido. Chris Rock não foi queimado numa fogueira por dizer coisas, mas ficámos um passo mais perto da Idade das Trevas. 

 

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