Os Mundiais do Qatar
A polémica nas vésperas do Mundial do Qatar representa muito daquilo que são todas as polémicas e activismo social de hoje em dia. Na maioria dos casos, muito ruído, indignação muito intensa, mas vazia de qualquer conteúdo. Este caso passou por todas as fases:
- Indignação pela proibição das bandeiras ou braçadeiras arco-íris. Um gesto que não passa de simbólico. Do mesmo modo que soltar uma pomba branca não vai acabar com nenhuma guerra, uma braçadeira arco-íris, num país onde tal é proibido, não passa de mera provocação. A expectativa parecia, por vezes, que passava por meter os Qataris a olhar para a braçadeira arco-íris à espera de que dissessem "olha, aqui está uma coisa muito bem vista. Até hoje não acreditava nos Direitos Humanos, mas agora que vi as cores do arco-íris vamos passar a ser uma Democracia". Eu sou da opinião de que quando se viaja para um país se tem de respeitar as regras e leis desse país. Se não temos estômago para o fazer, então não vamos.
- Transferir o sentimento de culpa para a sociedade. Houve quem, brevemente, pedisse o boicote ao visionamento dos jogos do Mundial pela televisão fazendo um salto lógico em que ver um jogo de futebol do Qatar pela televisão significava apoiar o desrespeito pelos Direitos Humanos. Nós, seres mortais comuns, respeitadores dos Direitos Humanos, de repente sentíamo-nos culpados por estar a ver um jogo de futebol. Éramos cúmplices de quem tinha escolhido o Qatar como local para o Mundial. Subornar os agentes que tomaram a decisão ou ver um pontapé de bicicleta naquele estádio feito de contentores passou a ter a mesma dose de culpabilidade.Tudo tem a mesma dimensão. A culpa é sempre nossa. Somos nós que estamos a destruir o Mundo (e até somos, mas deixem-me, uma vez na vida, ser inocente!). Obviamente que esta tendência não demorou muito tempo. Até podemos gostar de Direitos Humanos, mas gostamos ainda mais de ver a redondinha a circular pelo relvado.
- Foco e lamentação no comportamento dos outros. De repente, começou-se a esmiúçar e a lamentar tudo aquilo que se passava no Qatar. Era uma vergonha a cerveja ser proibida nos estádios! Sabem onde é que também é proibido vender cerveja em estádios? Eu ajudo: em Portugal! A partir de certo momento, o raciocínio tornou-se demasiado fácil: os Qataris são todos uns idiotas. Eles isto, eles aquilo e eles aqueloutro. Até os políticos, obviando uma evidência o fizeram: os Governos Ocidentais financiam e ajudam a perpetuar estes regimes de mil e uma maneiras. O Mundial é apenas a árvore de uma muito mais vasta floresta.
Entretanto, tudo acalmou. Agora todos queremos saber é quem vai ser o campeão do Mundo. Já nada se passa. Os mortos na construção dos estádios já não importam a ninguém. Assim como as burcas ou o diabo a sete. Se for preciso, até marcamos umas férias para o Dubai. Dá umas chapas incríveis para as redes sociais. Tal como deu, durante algum tempo, dizer que o Qatar era horrível. Agora isso já lá vai. Como dizia a minha avó: outros tempos.