Dúvidas, Questões e Problemas
Manual de Instruções: pedi a dois amigos que me fizessem 10 perguntas cada. Não havia qualquer limitação ao nível do tipo de perguntas que podiam fazer, tirando os limites que eles próprios se colocassem. O post que se segue será composto com as respostas às perguntas que eles, gentilmente, me enviaram. A tarefa de escolher quem seriam as pessoas que iriam fazer as perguntas foi bastante fácil para mim. Teriam de ser duas pessoas que soubessem fazer boas perguntas pelo que, evidentemente, a escolha teria de recair sobre duas pessoas que entraram em Jornalismo e se desencantaram com o curso e a profissão à medida que perceberam naquilo em que consistia. O António e a Catarina têm a particularidade de estarem casados e de este casamento parecer uma sitcom. Um dos episódios que me ficou na cabeça e que comprova isso mesmo aconteceu no dia em que o António e a Catarina foram ao supermercado e o António queria levar um queijo para casa. A Catarina discordou e o António ripostou com um "se ele fica, eu também fico". Além do casamento, algo que une o António e a Catarina é a sua devoção pela literatura e pela escrita, onde, diga-se de passagem, ambos têm bastantes capacidades, levando-me a crer que um dia poderão ser os guionistas da própria sitcom e ter a honra de escolher o final mais apropriado.
Decerto que, neste momento, o leitor que tiver chegado até esta parte do texto (àqueles que não chegaram: o matrimónio não será para eles. É preciso ter muito mais paciência num casamento do que para ler este punhado de linhas. Por mais aborrecido que possa estar a ser. Perguntem ao António e à Catarina) está a estranhar o facto de o preâmbulo desta entrevista (vamos chamar-lhe assim para facilitar) ser sobre os entrevistadores e não sobre o entrevistado. Ao contrário do que se podia pensar, este não é um exercício egocêntrico de exposição dos meus pontos de vista. Acredito eu que as escolhas do António e da Catarina nos podem dar a conhecer tanto ou mais sobre eles como as minhas respostas eventualmente darão sobre mim. No fundo, tal como na vida. As perguntas que escolhemos são as que nos definem. As nossas respostas - essas - certamente que alguém também já as deu.
Catarina
1- O que tu pensas do piscar de olhos do José Rodrigues dos Santos?
- Em Os Cínicos Não Servem Para Este Ofício, Ryszard Kapuscinski defende, entre muitas outras coisas, que o jornalista não deve nunca tentar roubar destaque à notícia. Idealmente, nem deveria aparecer a sua cara nas suas reportagens. Tendo isto como base, embora não sendo tão purista como Kapuscinski, eu acho que José Rodrigues dos Santos usa o piscar de olhos como imagem de marca, não tomando em atenção a diferença que existe entre os conceitos de "imagem de marca" e "estilo". Os jornalistas não devem ser clones uns dos outros e, por isso, devem ter um estilo próprio. O piscar de olhos em nada contribui para o trabalho de um jornalista. Apenas hollywoodiza José Rodrigues dos Santos. Faz dele a estrela e deixa a notícia para segundo plano.
2- O que te inquieta mais em relação a Deus?
- Eu nunca tive uma relação fácil com Deus. Para dizer a verdade, nem sei bem como me definir (embora não tenha religião). A razão prende-se precisamente com as muitas inquietações que tenho. A maior de todas está relacionada com as tragédias que acontecem às pessoas boas e com as histórias que todos conhecemos e que nos levam a crer que determinada pessoa veio ao Mundo, aparentemente, apenas para sofrer. Nessas situações, muito honestamente, duvido bastante da existência de Deus e questiono até se, dada a realidade, não será preferível que não exista. Se é omnipotente, não era fácil fazer melhor do que isso? Esta é a minha maior inquietação.
3- Já alguma vez sentiste que não tinhas lugar neste Mundo?
- Já. Várias vezes. Claro que isto pode ser interpretado numa vertente mais depressiva e em certa medida até o é, mas tem o seu lado positivo: é apenas o reflexo da nossa insignificância perante a grandeza e complexidade da vida e do Mundo. Cabe a cada um de nós encontrar um sentido para a sua vida (ou ir encontrando), sabendo de antemão que nunca vai ter certezas.O nosso lugar no Mundo remete-nos sempre para a nossa dimensão social. Acho que devemos ter sempre presente nas nossas cabeças que a vida, em primeiro lugar, é uma experiência individual. Pode ser partilhada com família, amigos, conhecidos ou desconhecidos, mas vai ser sempre uma experiência individual em primeiro lugar. O choque entre a nossa individualidade e tudo aquilo que nos é externo vai sempre existir. Quando nós aceitarmos que esta é uma realidade da qual não podemos fugir, se calhar não estamos tão sozinhos quanto pensamos e se calhar sabemos (ou achamos saber) qual é o nosso lugar no Mundo.
4- Kramer ou George (da série Seinfeld)? Porquê?
- Vejo-me obrigado a escolher o George. O Kramer é uma caricatura. É um tipo alucinado para o qual não existe espaço no nosso Mundo (ou, quando muito, o espaço dele seria numa ala psiquiátrica). Tem piada e está bem conseguido, mas morre com a série. O George existe na vida real. Há muitos George por aí. Tem piada na série. Diria que na vida real não tem tanta. Escolho-o pela identificação que conseguimos fazer com pessoas com as quais no cruzamos por aí.
5- Achas que uma amizade sobrevive a uma grande diferença de valores entre essa duas pessoas? Já passaste por isso?
- Acho que sim. A amizade é um sentimento. Quantas vezes não damos por nós a pensar "não sei porque gosto daquela pessoa", mas a verdade é que gostamos mesmo sem ter esses valores em comum. O único valor que tem sempre de ser comum para que uma amizade entre pessoas diferentes resulte é o da tolerância. Fora isso, não há qualquer impedimento. Já passei por ambas as situações, felizmente.
6- Já tiveste piolhos?
- Já. Matei-os. Espero que o PAN não leia isto.
7- Qual a tua relação com o perdão?
- Não tenho qualquer problema em pedir desculpa. No entanto, só peço quando de facto sinto que errei. Não utilizo um pedido de desculpas para fugir a um conflito ou um problema. Se não for sentido, não é dito. Também não tenho qualquer problema em desculpar ninguém. Sigo a mesma lógica: se for sentido, desculparei sempre. O que não significa que a relação fique igual a como estava antes. São coisas diferentes. Dependerá sempre das consequências da acção.
8- Eras capaz de abdicar de um bom emprego e de um bom ordenado pela família?
- Sim. A família é o meu valor número um. Era até capaz de abdicar da vida, se fosse preciso.
9- A quantos funerais já foste? Choraste em algum?
- Nunca fui a um funeral. Não tenho uma relação nada fácil com a morte dos outros. Já chorei pela morte de outras pessoas, embora a minha tendência mais natural seja sempre reprimir um pouco as emoções e evitar pensamentos e recordações. Sei que não é a forma mais saudável de lidar com a situação, mas não sei ser de outra forma.
10- Para ti, a data de validade da comida é uma coisa a ser cumprida ou és daquelas pessoas que acha sempre que um iogurte aguenta, pelo menos, mais uma semana?
- Habitualmente, tento não desrespeitar muito as datas de validade. Claro que se for um dia ou dois, não irei deitar fora, mas uma semana já seria o suficiente para não arriscar.
António
1- Sabes a origem das tuas ideias? Fazes esses esforço de tentar perceber de onde é que vêm as tuas ideias?
- No sentido mais científico da pergunta, confesso que não. Embora o processo criativo seja uma das nossas dimensões mais fascinantes mesmo a nível científico. Do ponto de vista mais racional, tento sempre perceber se me estou a deixar influenciar pelas coisas que ouço e se é pelo conteúdo ou pelos emissores. Tento também criar uma certa rotina sempre que necessito de alguma criatividade. Por exemplo, faço um esforço grande no caminho para o trabalho e no caminho de regresso. Grande parte das minhas ideias surgem enquanto caminho sozinho (leia-se ideias também como a estruturação de pontos de vista).
2- O que é que costumas comer ao pequeno-almoço? Quantas refeições fazes por dia?
- Normalmente, como um queque e bebo um ice tea. Tomo o meu pequeno-almoço sempre no mesmo café e as empregadas já sabem aquilo que eu vou comer. Nunca peço. Houve um dia em que a empregada era diferente e me perguntou o que eu queria comer e eu nem percebi porque era cedo e já não estou habituado a pedir. Teve de perguntar pelo menos três vezes. Não é difícil imaginar o adjectivo com que me qualificou mentalmente. Em relação às refeições, habitualmente faço 5 ou 6 refeições por dia (depende se como ou não de madrugada).
3- Sublinhas os livros que lês? Qual a tua opinião sobre isso?
- Não sublinho, embora não tenha nada contra. Acho que muitas pessoas o fazem porque é uma forma de manterem a concentração. Não acredito, ainda assim, que um determinado livro nos dê mais conhecimento pelo facto de sublinharmos. Aliás, acho que é um processo contínuo e é a leitura de vários livros e aquilo que retemos de forma não forçada que vai constituir o nosso conhecimento literário. Como curiosidade, devo dizer que gosto muito de citações e utilizo muitas e de fontes muito diversas (não apenas livros).
4- Para ti quem é que foi Jesus e qual é que era a sua principal missão/mensagem? O que ele acharia de ti?
- Eu não sei se Jesus existiu ou não, mas daquilo que é propagado, eu penso que a principal mensagem é a mensagem de paz. Aliás, não concebo qualquer religião que não se fundamente neste valor básico. Penso que Jesus acharia que eu só não sou cristão por teimosia, porque ele ia gostar de mim.
5- Já tiveste uma crise de benfiquismo?
- Nunca. Posso ter fases em que duvido se estamos na direcção certa. Nesses momentos, tenho a tendência para achar que é o Benfica que está com uma crise de benfiquismo. Infelizmente, penso que é aquilo que se está a passar este ano. Não me refiro aos resultados porque nem sempre se ganha (embora eu esteja convicto do Penta!), mas aquilo que se está a passar fora das quatro linhas não é o Benfica. Talvez a razão mais óbvia seja o facto de eles não serem do Benfica, ao contrário de mim. O nosso Director de Comunicação foi Director de Comunicação do Sporting. Infelizmente, copiou o modelo que pôs em prática lá. Acho que está tudo dito.
6- Perdoavas uma traição da tua mulher? Porquê?
- Não. Para mim, o amor é incondicional. Se não me consigo a imaginar a trair uma pessoa que amo, não consigo aceitar o inverso. A traição ocupa o lugar do amor. A meu ver, é impossível coexistirem. A relação chegaria ao fim (o que não significa que não perdoasse a outra pessoa do ponto de vista humano).
7- Se te dessem a oportunidade de ser santo, com entrada directa no céu, agarravas essa oportunidade ou preferias continuar com o melhor da tua vida mundana e depois passar uma temporada no purgatório antes de ir para o céu?
- Iria continuar com a minha vida. Quanto mais não fosse porque teria a oportunidade de experimentar todas as fases. Por melhor que o céu pudesse ser, seria melhor ainda depois de ter vivido a minha vida e passado pelo purgatório.
8- Imagina que Deus te dá a oportunidade de escrever um único livro, lido por todas as gerações até ao final dos tempos. Que género literário escolherias?
- Comédia. Assumindo que seria um bom livro e que, portanto, teria graça, se é para deixar uma marca nos outros, que seja uma marca positiva. Pelo menos seria o garante de que o Mundo nunca se iria tornar em algo tão cinzento ao ponto de extinguirem o riso.
9- Se fosses para uma ilha deserta, o que é que deixavas cá de certeza absoluta?
- Esta pergunta tem graça e é mais difícil de responder do que parece. É bastante mais fácil pensar em coisas que nos fazem falta do que em coisas que usamos, mas não nos fazem falta nenhuma. Depende também da razão que me faria ir para a ilha e do tempo que lá estaria. Sendo o mais objectivo possível, e assumindo que ia de livre vontade (dado que poderia escolher o que cá deixava), acho que deixava o telemóvel. Quem vai para uma ilha deserta vai porque quer desligar do Mundo. Com telemóvel isso é uma tarefa impossível hoje em dia.
10- Já deste por ti orgulhoso dos teus erros/defeitos? Podes dar um exemplo disso?
- A minha consciência não me permite que esse tipo de pensamentos me ocorram com muita frequência. Provavelmente, a preguiça será um dos poucos exemplos. Uma ou outra vez, o preguiçoso consegue que as coisas apareçam feitas sem ter de fazer nada (embora isso, irremediavelmente, o condene a não ir demasiado longe). Lembro-me de não ter estudado para um exame e ter lá ido só para ver como era (porque me tinham dito que na segunda fase era sempre muito parecido) e passei. Para mim, na altura, aquilo foi uma prova das minhas capacidades intelectuais. Hoje em dia, consigo ver que foi um desperdício. O que se pode dizer das capacidades intelectuais de uma pessoa que se contenta com menos por preguiça?