D.Rodrigo I e Único, o Pandémico
A Pandemia originou inúmeras mudanças na nossa vida. Uma série de expressões invadiram-nos e ouvimo-las repetidamente todos os dias. Não sei quanto ao estimado leitor, mas a mim é das coisas que mais me desgastou no "confinamento". Começava por sugerir que se parasse de chamar "novo coronavírus" ao vírus e se substituísse por "o mesmo coronavírus". Não se fala de outra coisa! Já não é novo. Isto até pode criar o sobressalto nas pessoas de acharem que ainda não nos livrámos deste e já apareceu outro. Por outro lado, propunha que se reduzisse a expressão "linha da frente" até um máximo de 3 utilizações por telejornal (a menos que seja para falar do Liedson ou assim). É preocupante ouvir falar em tanta gente na linha da frente precisamente quando se apela a que mantenhamos a distância física entre nós. Que tal irem para outras linhas? Dispersem-se pela linha de trás, linha do meio, linha das pontas. Não estejam todos na linha da frente. Quanto à expressão "distanciamento social", incomoda-me mais a palavra "social" do que a palavra "distanciamento", mas isso, decerto, já não é uma novidade para o estimado leitor.
Não é apenas no vocabulário que se sentem as alterações. Na Assembleia da República, Ferro Rodrigues, depois de ter rejeitado a ideia de os presentes na cerimónia do 25 de Abril irem "mascarados", decretou o uso obrigatório de máscara. Devo dizer que concordo e que acho que era algo que Ferro Rodrigues já deveria usar há mais tempo. Já todos sabíamos dos seus reflexos "pavlovianos", mas cheguei a temer que todo aquele rosnar antes do Dia da Liberdade fosse algo contra as máscaras. Se eu fosse Ferro Rodrigues, aproveitava que estamos numa fase de mudanças e tentava introduzir mais algumas. Por exemplo, o Chega de André Ventura (deve ser dito repetidamente e desta forma) deveria mudar temporariamente o nome para "Chega-te Para Lá"; o hábito de os políticos lavarem as mãos dos problemas deveria ser reforçado, sendo proibido o também clássico sacudir a água do capote. Ficam as sugestões.
Com o maior número de horas que passamos em casa, as televisões também decidiram aumentar a duração do telejornal. Eu sinto que há emissões que começam no Paleolítico e se extendem até aos dias de hoje. Por outro lado, surgiu uma nova tendência: há que fechar o telejornal com um momento diferente que encha os nossos corações de esperança, depois de quase 2 horas a mostrar como a nossa vida não vai ser a mesma e todos estamos em risco. Como se não bastasse andar por aí mais um vírus à solta, os senhores jornalistas acharam por bem fazer um esforço de tornar os fechos do telejornal virais. Assumiram que era a tendência para esta Primavera-Verão. "O padrão vírus é o que está a dar", parece que os estou a imaginar a comentar nas redacções. O Yves Saint Laurent desta nova moda é, sem dúvida, Rodrigo Guedes de Carvalho com os seus discursos e poemas inspiradores que me fazem ter mais medo de o desiludir do que do próprio vírus. Quem não se deve sentir muito inspirada por Guedes de Carvalho é a Ministra da Saúde que apanhou forte e feio quando foi entrevistada pelo distinto pivot. Pode estar muito embrenhada em resolver o problema do coronavírus, mas o que é certo é que, desde aquele dia, Marta Temido pelo menos já sabe um pouco melhor o que é bom para a tosse. Houve alguma contestação a Rodrigo Guedes de Carvalho após a entrevista, mas eu gostava de lembrar os indignados que todo o Almada Negreiros tem o seu Manifesto Anti-Dantas.
São, sem dúvida, tempos bastante diferentes daqueles a que estávamos habituados. A "nova normalidade" obriga a que usemos expressões novas, criemos novas rotinas e, sobretudo, vejamos muitos narizes fora das máscaras. Talvez seja mania de meter o nariz onde não são chamados, talvez seja aprendizagem. O importante é não sucumbirmos perante as dificuldades. Como um dia alguém disse "pedras no meu caminho? Guardo-as todas. Um dia vou construir um castelo". Passo a emissão para ti, Rodrigo.